10 obstáculos para a implementação da indústria 4.0 no Brasil
De falta de mão de obra à apatia da alta direção, a evolução da indústria 4.0 no Brasil esbarra em uma série de desafios, apontou pesquisa “Indústria 4.0 no Brasil: cenário e perspectivas”, realizada pela KPMG. O estudo ouviu mais de 100 executivos das áreas industriais, de automação e Tecnologia da Informação da indústria e do agronegócio.
Há, entretanto, alguns entraves que podem influenciar outras no contexto. Para 38% dos respondentes, o principal motivo para a indústria 4.0 não avançar no País se encontra na falta de orçamento para tal. Cultura ou resistência à mudança (33%), falta de conhecimento (33%) e a falta de prioridade da direção da empresa (27%) também foram apontados como grandes obstáculos.
A falta de orçamento pode estar atrelada, em muitos casos à falta de conhecimento ou cultura executiva, uma vez que pode faltar uma visão de um roadmap claro que destaque o real impacto financeiro (ebitda) dos investimentos em tecnologia para acelerar a eficiência operacional”, afirma Luiz Sávio, sócio-líder de Indústria 4.0 da KPMG no Brasil.
A análise buscou detalhar também o que sustenta os principais desafios para a indústria 4.0, como consta abaixo.
1. Mão de obra
Segundo a KPMG, a mão de obra operacional no Brasil é disponível e relativamente barata se comparada à robotização de atividades mais complexas, como a montagem de produtos. A justificativa para a implantação de automação e da digitalização é mais complexa em países onde a mão de obra operacional é barata e as margens mais espremidas.
2. Máquinas
O custo de máquinas mais sofisticadas é alto, uma vez que boa parte delas ainda é importada e os custos financeiros são atrelados às variações cambiais. Existe ainda a alta carga tributária e valores adicionais devido à logística complexa e à necessidade de qualificação dos colaboradores para realizar a operação e a manutenção desses equipamentos. Sem esses investimentos, em máquinas e equipamentos mais sofisticados, pode haver restrições relevantes para a aquisição de dados ou mesmo em integrações entre os mundos de IT e OT.
3. ROI e Payback
Valores de aquisição e manutenção comparados à contratação de mão de obra operacional relativamente barata tornam o tempo para o retorno do investimento muito longo na percepção da maioria dos executivos. O cálculo fica mais desfavorável quando ignorados os ganhos intangíveis da tecnologia e adicionados os custos de preparação e ajustes de todo o resto da linha para absorver uma capacidade e velocidade maiores de produção. Justificar novos investimentos amparado apenas nos modelos tradicionais de ROI é um desafio. O roadmap de digitalização precisa estar pautado por um modelo financeiro claro de impacto no ebitda fruto da eficiência operacional gerada pela digitalização, indica a KPMG.
4. Impacto em vendas
De acordo com a pesquisa, um aspecto bastante discutido foi a relação entre o investimento e a capacidade de agregar valor monetário ao produto final, seja pela redução do CPV (Custo por Produto Vendido) ou pela capacidade de se cobrar mais por cada unidade vendida. Com a falta de dados e dificuldade de montar um business case, investimentos são adiados. Agregar valor ao produto é a perspectiva mais considerada para aprovação de investimentos.
5. Inércia da indústria
Muitas máquinas ainda são consideradas produtivas e as equipes de chão de fábrica já estão capacitadas a operá-las. O retorno satisfaz os acionistas e os apelos para mudança acabam perdendo força. Muitos equipamentos estão depreciados e têm grande importância na sustentação do negócio. A motivação para a substituição é pequena, inércia especialmente constatada em processos de baixo valor agregado. Há muitas excepcionais alternativas para “digitalização” do parque atual, com perspectivas de elevar o volume de dados, suas correlações e possíveis aumentos de eficiência operacional.
6. Integração tecnológica complexa
Os parques fabris estão mais heterogêneos, à medida que fornecedores diferentes optam por um tipo ou outro de tecnologia ou interface proprietária para serem embarcados em seus equipamentos. Por não serem “Plug & Play” e pelo fato de muitos fornecedores quererem cobrar também pelos serviços de extração de dados e conectividade das máquinas, a atratividade de investimento fica menor. Por outro lado, são muitas opções de baixo custo que podem melhorar as perspectivas de integração IT/OT de maneira orgânica.
7. Conectividade
Especialmente no agronegócio, a conectividade é a principal barreira para um salto de eficiência. Enquanto as maiores organizações do setor resolvem este desafio com soluções próprias ou parcerias com operadoras de telecomunicações, esta não é a realidade da maioria das empresas. A aceleração da eficiência operacional pela digitalização que vem dos dados é excepcional. Hoje já é possível estimar esse impacto em função dos investimentos em soluções de conectividade (que por sua vez tem preços cada vez mais acessíveis).
8. Disponibilidade dos dados
Os ambientes para armazenamento e processamento de dados estão cada vez mais baratos e confiáveis, o que tem estimulado o armazenamento de muito mais dados da organização. Mas os desafios de integração de sistemas, extração desses dados de máquinas com tecnologias proprietárias e falta de clareza sobre o que visualizar tem frustrado boa parte das iniciativas.
9. Expertise aplicado aos dados
Mesmo quando os dados são disponíveis, ainda há uma dificuldade em extrair o valor de fato. A maioria não consegue utilizar de forma eficaz os dados do chão de fábrica muito além do domínio das máquinas.
10. Falta de estratégia específica e/ou envolvimento da alta direção
O estudo aponta que muitos entrevistados relataram a inexistência de uma visão estratégica para a Indústria 4.0 acontecer. Quando existe, é vaga, sem definição de objetivos, o que gera planos operacionais e táticos divergentes. A falta de patrocínio e o pouco engajamento da liderança também inibem esse movimento.
Como impulsionar a indústria 4.0 no Brasil
Em meio a esse cenário de desafios, a boa notícia é que existem iniciativas para estimular o desenvolvimento da indústria 4.0 no País. O Ministério da Economia instituiu o Grupo de Trabalho para a Indústria 4.0 no Brasil (GTI 4.0), ainda em 2017, elaborando uma agenda para o tema com a reunião de mais de 50 instituições representativas, que envolve governo, empresas, sociedade civil organizada, startups, entre outros players.
As medidas que estão em andamento visam a fomentar a indústria 4.0 no Brasil e incluem, por exemplo, difusão de conhecimento, apoio às indústrias e facilidade de financiamento junto a bancos públicos.
Dentre os temas prioritários debatidos pelo grupo estão o aumento da competitividade, as mudanças nas estruturas das cadeias produtivas, as fábricas do futuro, o uso de tecnologias digitais, entre outros.
A ABDI – Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial ressalta que são necessárias estratégias empresariais e políticas públicas que promovam um amplo debate no setor produtivo para auxiliar as empresas brasileiras em sua trajetória rumo à digitalização da cadeia produtiva e da manufatura nacional.
Para isso, a agência pauta quatro premissas para o desenvolvimento da indústria 4.0 no Brasil. São elas:
- Fomentar iniciativas que facilitem e habilitem o investimento privado, haja vista a nova realidade fiscal do País;
- Propor agenda centrada no industrial/empresário, conectando instrumentos de apoio existentes, permitindo uma maior racionalização e uso efetivo, facilitando o acesso dos demandantes, levando o maior volume possível de recursos para a “ponta”;
- Testar, avaliar, debater e construir consensos por meio da validação de projetos-piloto, medidas experimentais, operando com neutralidade tecnológica;
- Equilibrar medidas de apoio para pequenas e médias empresas com grandes companhias.
Hoje existem mecanismos de fomento público para alavancar investimentos na Indústria 4.0. As leis de incentivo fiscal, como a Lei do Bem , têm sido fundamentais para alavancar a competitividade das empresas brasileiras, funcionando como instrumento importante para impulsionar os projetos de P&D e inovação tecnológica. Os financiamentos integrados ao regime Ex-T arifário – concessão tarifária que reduz a alíquota de imposto de importação de bens de capital (BK), bens de informática e te telecomunicações (BIT) sem similar nacional, também possibilitam a aquisição de maquinários e novas tecnologias. Já o recente Inovacred 4.0 foi desenvolvido para oferecer financiamento para os projetos de digitalização que abarquem a utilização em linhas de produção, de serviços de implantação de tecnologias.
As empresas que investem em inovação assumem um papel de governo, portanto, podem utilizar recursos públicos de financiamentos reembolsáveis à PD&IT (como FINEP, BNDES, BRDE), de forma integrada com incentivos fiscais (tais como Lei do Bem, Lei de Informática , Rota 2030 , Ex-Tarifário), como estratégia para alavancar os investimentos na Indústria 4.0 e reduzir o custo efetivo total neste tipo de investimento. Isso permitir a preservação dos recursos próprios para alocação em suas operações.
Conclusão
A indústria 4.0 está em franca expansão em todo o mundo e é, certamente, o futuro das indústrias em nível global, acompanhando o processo de inovação trazido pelas mais recentes tecnologias, como Internet das Coisas Industrial, Big Data, Machine Learning, Inteligência Artificial, 3D, Realidade Virtula e Aumentada dentre outras.
Embora ainda esteja em estágio inicial, a indústria 4.0 no Brasil conta com importantes programas de incentivo para sua viabilização. Sua adoção deve acontecer de forma gradual, pelo menos enquanto o País se recuperar dos impactos da crise e da pandemia.
No entanto, mesmo com esses percalços, é fundamental o investimento e o fomento à digitalização industrial, visto que é preciso alinhar-se ao mundo para que a indústria nacional cresça e se desenvolva.